domingo, 30 de outubro de 2011

Rascunho Estrogênico


Estranha é a retomada. A volta por cima, ou por baixo. O retorno a um mundo de belas paisagens, de olhos risonhos e aguados; a um céu de um cinza tão bonito. Bonito mesmo é caminhar pela chuva sem molhar os pés, contemplar esse vinco de onde os corpos se vedam e salivar a doçura que existe no sal. Com este lindo movimento, uniformemente variado advento, consegui fugir da inconstância que se construía na inércia do meu peito são e gozei.
Nesta vida que não pode ser freada fui capaz de estagnar outrora, sem imaginar que o mundo de agora poderia também existir, que poderia orbitar esse círculo que não teima em transladar esse sol que não me queima; que era possível ter-te. Houve um tempo em que meus sonhos sonhavam baixo, lambendo o chão com suas línguas ásperas e esponjosas, absorvendo o húmus agraciado que vivia sob o meu chão. Naquele tempo adiposo amei um monstro caviloso que só resplandecia dentro de mim, na minha mente dopada; um tempo de porra e cevada; de homens com vaga no céu.
Da abóboda celeste, porém, nenhum anjo branco reclinou. A brancura se fez insólita na carne dos homens, na pele de um príncipe aparvalhado que teve o crânio coroado pelos fluxos deste meu corpo vão. Doravante, alvejaram a etnologia que o identificava e me entregaram uma folha de papel em branco onde havia desenhado o rosto casto de uma mulher sagrada, desenhado pela testosterona que nunca molhou minha grafia afetada; gravado pelo desejo intumescido que nunca cativou este meu falo frígido, no entanto rígido, envernizado pelas querências bulbouretrais, pelos primaverais desterros.  
Das mãos do desenhista jorravam fluidos de uma Itália que não se banhava em vinho, mas que se fartava em leite; transbordava dessa minha latrina cravejada, untada num azeite tão virgem quanto esta boca que vos fala. Ó, leite envelhecido nos barris de carvalho, talhado e refém das gotas de orvalho, orvalhando o suor que embicava-lhe as amolgaduras do peito; banha-me enquanto há tempo de esperar o tempo que não me golpeia, jorra em mim como sangue na veia; lava esse ventre carente que só sabe avultar, envolver e amar, este corpo tão sisudo.
E então, desnudo, desvirgino-me na estranheza revolta de cada fim de semana, entrego-me aos prazeres perigosos dessa data tão insana, e deixo que o domingo se aproxime sem nenhuma pretensão. Das despedidas não me arrependo, prefiro saborear o anseio que se forma e bebericar esses esboços de saudade, assumir as incertezas da idade, e sonhar com estas mãos de homem rascunhando esses cretinos corpos de mulher. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Pródigo


Que cheiro é esse?
Sei lá.
Eu hein, parece até...
Para de ficar me cheirando!
Por que motivo?
Pois irrita!
É suor.
Que fantástico!
Eu sei. Onde esteve?
Onde eu disse que estaria?
Eu sei, só que...
Se eu disse que estaria é por que estaria.
Mas...
Liga lá e pergunta.
Mas...
Que saco, não vê que estou tentando escrever?
Não sou cega.
Há. E quais são as boas novas?
Você não está falando com um de seus coleguinhas!
Não tenho “coleguinhas”.
Sei. Boa noite.
Boa.
Por que não dorme mais cedo hoje?
E por que “hoje”?
Pois estou pedindo.
Posso recusar?
Não espere eu mandar.
Então está mandando desde o princípio.
Meia hora.
Ok.
E tranque a porta.
Ok.
E olha se tem água e ração.
Tá, ok.
E não revire os olhos.
Ai, Jesus Cristo, me unge!
Isso, debocha, Luís Otávio. Debocha!
Ta, ok.
Não seja tão estúpido.
Igualmente.
Ah! Se eu não estivesse tão cansada eu te acabava numa boa...
Igualmente.
Oho! Quem está pensando que é?
Frase clássica.
Tá se achando dono do próprio nariz!
A palavra “próprio” sugere propriedade, não?
Pois Saiba que o nariz...!
Pois não é o nariz o órgão em questão?
Como é?
O cheiro. Não era um cheiro que havia sentido?
Sim.
Pois então.
E o que tem a ver com o nariz!?
É pra eu dizer a relação do cheiro com o nariz?
Não vou mais discutir.
Depois dessa, nem eu.
Petulante!
Linda!
Indecente!
Continua linda.
Eu... É sério?
Não.
Filho da égua!
Há, a autocrítica é algo admirável.
Não entendi.
É compreensível, vindo de você.
Não me chame de “você”!
Desculpe, excelência.
Isso, debocha, Luís Otávio. Debocha!
Ai, Jesus Cristo, me unge!
Cale a boca!
Poxa, mas acabou de me mandar debochar.
Petulante!
Linda!
Indecente!
Continua linda.
Eu...É sério?
Espere aí. É a segunda vez que me chama de indecente.
Justo.
Justo?!
Justo.
E o que tem haver a indecência com o nariz em questão?!
O cheiro.
Como é?
Cheira indecência.
E não era suor?
Sim, suor indecente.
Que isso, sou virgem.
Só se for de signo.
Isso, debocha, Maria Amélia. Debocha!
Há. Menino chato!
Igualmente.
Boa noite, afinal.
Beijo.
Aiai, Beijo?
Vem cá logo!
Te amo, moleque.
Eu também.
“Eu também” é falsidade.
Ai... Desisto de ser simpático.
Vou indo.
Ei.
O que?
Ei.
O que!?
Também te amo.
Isso, debocha, Luís Otávio. Debocha!
Há. Velha chata.
Boa noite, moleque.
Bom sono pra você.
“Você”?!
Ai... Boa noite mãe.  


Previsão de hoje para Virgem: Com fortes influências de Vênus, que brilha muito forte nesta noite do ano, a sensualidade está em alta. Invista em compras pessoas e saia em busca de um bom parceiro. Não deixe que as relações familiares interfiram nesse seu dia de caçadora, pois hoje você pode tudo. Se joga gata. Cor: Grená e sub-tons. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Flâmula de Saudação


Oi? Interjeito dos lábios dos homens, do tempo de Deus, da idade de cristo. Saudosa moléstia das noites aniversariadas, dos fluxos desastrosos, das bundas imoladas. Interjeitar é fulgor que fulge  animosidades do espírito, me faz jogar esse baralho de cartas marcadas, que me faz amar esse valete fajuto de autêntica nobreza. Ó valete de paus, crava esta espadilha de flanco sumoso neste coração de copas vermelhas. Ao tolo, porém, desaconselhas. Centelhas jocosas te fazem deitar. Carecemos também de cartas na mesa; do corpo que asperge o odor da beleza; da suma certeza de não me entregar. Não minto: escondo verdades que ferem o tempo, que fazem sangrar o quasar do advento,   que me fazem sozinho subir ao altar. Não amo: só escondo certezas do beijo que clamo, só tapo os ouvidos pro nome que chamo, só exponho os sulcos que hão de escavar. Das dores? Concedo favores, pois hei de sanar essa chaga que não quer curar. Salgar esse amor que só sabe sonhar. E matar esse sonho que só quis despertar. Acordar tão faceiro e exclamar ligeiro : Oi? 

domingo, 23 de outubro de 2011

Nova Era


Nímios corações se flagelam neste dia
Pífios sacramentos rezam hoje em compilação
Clamo tais amores, burocráticos a demasia
Sangue embrutecido tange já teu corpo são

Ócios do ofício rezam hoje a hipocrisia
Laços desatados tomam o vinho, a comunhão
Bebo esses sabores de labuta, mais valia
Sacra e emburricada vou chorando a solidão

Sábias eutanásias colorizam nosso chão
Lábios temperados cospem já esse quarteto
Reverbera , hoje impera, proclamada em poemeto

Ísquio agredido já padece em inação
Lábia clara, alvejada, qüara vida no cloreto
Hoje espera, à nova era, e a brancura do soneto.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cântico Branco


Eis o papel embranquecido
Bandagem das feridas lisonjeiras
Lembranças de um diário intumescido
Na terra onde caem as palmeiras.

No tronco de onde eu, sabiá, não canto
Do ozônio ao qual o céu não tem estrela
No samba que sepulta, no entanto
Ouço ave que gorjeia, há de vê-la.

Das feridas que latejam no papel
Vejo um sangue que derrama preto branco
Vejo estrelas que não brilham neste céu
Que com tinta de caneta as estanco.

Na terra onde o diário caiu
Brotam folhas de caderno, celulose
As confidências de um parvo e bravo Brasil
Da velha pátria, de tão velha: esclerose.

Ouço brados tão saudosos, dos soldados
Na boca, os falos.  Na mão, o fuzil
Vejo versos de poetas retardados
Clamando um céu que só sabe ser anil.

Leio amores em tão fina caligrafia
Leio homens em tão grossa estupidez
Esgúrmitos de uma mente que atrofia
Em cochos de moral e sensatez.

 Muitos clamam o que dizem ser o belo
Tão ilustres, tão amados, nós artistas
Já eu, em cólera, esfacelo
Não me entrego ao veneno dos sofistas.

Sou poeta, mas sou são, não ouço vozes
Sou do povo, mas não amo os oprimidos
Sei amar, mas sem calvários e algozes
Não me vendo às orações de anjos caídos.

Eis o papel enegrecido
Resquício de palavras carvoeiras
Resvalos de um homem entorpecido
Na terra onde reinam as asneiras.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

. . . . . . . . . . . . . 00:00 . . . . . . . . . . . . . .


Meia noite. Sinto-me pairando no limbo entre o ontem e o amanhã. Na tenuidade do tempo vejo-me amando um futuro que desconheço, vislumbrando um passado imorredouro, concomitando com um presente momentâneo e morno. Aliás, morto.
Meia noite e um. Já me sinto mais aliviado. Vivo. É quando o qüinquagésimo nono “tic” e o sexagésimo “tac” do relógio se efetivam no silêncio. É quando um sopro de perseverança desce sobre este meu corpo que dorme.  É quando meus pesadelos podem voltar a sonhar. É a certeza de um novo dia.
Meia noite e... Merda, o ponteiro pequeno parou. Não importa. Três. Quatro. Não, Três. Talvez quatro. Meia noite e cinco afinal, pra não dar briga. Mas o que são cinco minutos na vida de uma pessoa? Um café. Um miojo. Um atraso educado. Enfim.
Meia noite e seis. Eu acho. Certamente. Pronto, já me sinto menos inútil. Seis é melhor que cinco ou quatro, transmite firmeza, austeridade. Seis é bom, é ótimo o tal do seis. Ótimo. Otimíssimo. A quem quero enganar? Melhor parar de contar, me deixa melancólico a demasia. Veja só o que já rascunhei. Poxa. Seis minutos são suficientes para ser poeta.
Meia noite e sete. Sete é um bom número, poderoso, místico. Gosto do sete. Considerando, porém, que eu tenha demorado um tanto ao contar o seis ou o quatro, já deve ser meia noite e oito. Ou nove. Oito, mais provavelmente. Oito não, oras, oito engorda. Nove. Estou certo de que são meia noite e nove. Provavelmente.
Meia noite e dez. Legal, sinto que estamos dez minutos mais próximos do dia de amanhã. Sim, é claro. É certo. É ridículo. Alguém me parabenize por essa descoberta pífia. Francamente. Acho que o sereno está afetando minha inteligência. Está afetando meu eu-lírico também. Veja como está empobrecido o meu protótipo de lirismo!  Lamentável! Indubitavelmente lamentável! Desisto de ser poeta, a moda agora é ser relojoeiro.
Meia noite e eu. Curioso. Muitíssimo curioso. Fui mesmo eu quem escreveu isto? Nestas palavras cronometrei um tempo que ponteiros não podem apontar. Que afronta! Estou desmerecido dessa honra que nunca tive, desse tempo que nunca vivi. Nem dez minutos de epifanias noturnas, nem dez anos de profunda introspecção me salvarão do tiquetaquear da rotina. Madrugada ordinária. Se não posso ser poeta e nem relojoeiro hei de ser o que? Hei de ser um rotineiro. Acho digno. Acho nada. A rotina é meu fardo e o conformismo é minha missão na terra, isso sim. Meia noite e meia. Droga, vou já pra cama. Devo acordar cedo amanhã.



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Poética quebrada d’uma noite quebrantada e nua.


Foi um chamado de reciprocidade, misteriosa reciprocidade, que rejuntou meu corpo ao seu. Foram beijos procrastinados, arrepios arrependidos e culatras adocicadas que nos fizeram estagnar logo no arranco inicial. Das culpas que se dissipavam sólidas por entre as nossas idéias nada nos fez parar, pois a parada foi um desastre causal, uma falha de percurso, patética e ocasional.
Triste fatalidade. Fatal tristeza. Da ocasião em si, detalhar seria falta ética. Ressalto, porém, o grito da estética: gemido jocoso de se escutar. As súplicas se consolidaram no toque dos lábios, nas humildes lambidas, nos hálitos leoninos, leoninos na fragrância e no vigor do agarrar.
Das interrupções, praguejo! Coices no inferno e cavalgadas ao céu eu desejo. Desejo o ciúmes desgarrado que timidamente demonstrei, as invejas pretas, o amor que advirto. Das fatalidades mencionadas, fatalmente a realidade sobre mim se quebranta, o doce labor sisudo do falo alevanta, e essa noite gozada se conforma afinal.
Não houve penetração.