terça-feira, 21 de junho de 2011

Dolorosa Homilia


Eu estou triste. Isto... O primeiro passo é a aceitação. E basta.
Agora, arranhando esta pauta estúpida, tento me convencer e calcular qual a doçura do fruto acinzentado que hoje colhi, depois de um outono tão feliz, inescrupulosamente feliz. Replico: Sou um garotinho esperto, sei que a melancolia que me lava não há de ultrapassar mais que o tempo de um ciclo solar. De janelas abertas, porém, observei que o sol não mais mergulhará por sob a linha do horizonte. Lá no alto, fustigas o labor contra a alegria fajuta que queimou minh’alma outrora. Pois brilhas, feito fiapos de fel.
A saudade que me acomete te coloca num pedestal de mármore que não sou capaz de alcançar. E provando do sal que tempera as minhas lágrimas, observo teus dedos curtos tocando a parede do céu. Vedes! Estou aqui em baixo suplicando uma gota de sua imaculada atenção! ... Mas você retirou as sandálias, prostrou-se escravizado diante dos seus instintos, e me deixou a adorar uma cruz sem sacrifício, um altar vazio; o templo que se refaz cada dia em meu peito ficou deserto esta manhã.
Mas um dia o céu será meu e, com seus dedos curtos, você me tocará outra vez. Mas dentro de mim haverá um buraco profundo e nem mesmo que todos os mortos de todos os tempos, mesmo que ressuscitassem, não o preencheriam. Pois a superfície do céu meu coração não me destina, é nos teus braços que quero me deitar. Se hei de me humilhar, humilhar-me-ei! Se hei de me machucar, machucar-me-ei! Mas eu terei forças para cruzar este jardim de urtigas e, tenho certeza, do outro lado te encontrarei e você florescerá dentro de mim outra vez!
Escutai! O hino que te resguarda toda noite. O martírio dissonante que escapa do meu peito e embala os sonos que você nunca dormiu. Sinta, Urtiga Bela! Que, a cada dia que passa, o meu clamor se desprende mais alto e mais solitário. Será que este amor não te preenche quando se deita pra dormir? Saiba que o fulgor no qual te intercedo me sacia um pouco do que eu não posso ter, e por isso agradeço.
Peço. Banha-me outra vez, e fertilizai o fruto acinzentado que das tuas mãos colhi. Quero o teu fruto viçoso outra vez, pois preciso saciar esta minha sede de quem nunca se afoga. 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Martini Vermelho


O martini desta noite foi servido num copo plastificado, frágil e ensebado. E era caro, o martini. Caro também eram os meus amigos. Caros amigos! Parceiros de uma dança que não saía da cadeira.
Caro martini, caros amigos, boa música e poesia. Burburinho! Um cheiro que resvalava inconcusso entre flores e falos; risadas abafadas pelo chorinho de notas simplórias, embargadas por seus devidos copos de plástico. Vinha: tabaco cheiroso, gente bonita... Mas minha cabeça estava longe, muito longe.
Pregado na cadeira, contemplei a felicidade que me rodeava e a odiei fervorosamente. Porém, meu caráter é nobre e meu sangue é azul. Por isso não sorrirei pra desgraça dos outros: esta noite chorarei pelas bênçãos que não são minhas.
Confesso! Eu também bebi, eu também embarguei minha boa risada, eu também prostituí meu verso e minha prosa nesta noite tão farta em carisma e tão pobre em caridade. Não vou dizer que bebi por você, mas o tombo na sarjeta eu lhe dedico. Se me vendi não foi por você, mas em ti depositarei uma generosa comissão. Aguarde, meu caro especulador de corações! Esta noite hipotecarei o corpo que só você não quis comprar!
Doravante, perguntas se eu me arrependo? Sim, eu me arrependo. Queria sim que o tempo voltasse, ou que o mundo parasse. Queria sim que fosse tudo diferente. Pois sei que o amor que sinto hoje é bem maior que o orgulho que eu tenho por dever sentir um dia. E é muito mais caro, ainda mais precioso que aquele cretino martini naquele copo descartável... Descartável como nunca você vai ser.