domingo, 22 de fevereiro de 2015

Entre o fim e a partida



Eu tive um milhão de chances de dizer que te amo
Mas escolhi fazê-lo na hora do adeus
Saindo pela tangente mais íngreme do nosso triângulo
Esperando um “Não se vá!” jamais pronunciado

Que belo sonho, por sua vez, seria
Ouvir tua voz me pedindo pra ficar
Não com este olhar cheio de certezas redondas
Mas com estes olhos redondos que já não sabem suplicar

Imagine, meu amor, tal belo sonho
Como aqueles em que o despertar nos enlutece
No alpinismo diário que nos faz saltar da cama
E abandonar nossos amores entre os lençóis amarrotados

Era uma campina verde malhada de nuvens que apostavam corrida
Sobre um casebre abandonado à guisa de um convite para entrar
Havia um velho, um homem e um menino
Três pares dos mesmos olhos de gude reluzindo pra mim

E então as noites, por fim, desamanheceram
Transformando-te num espaço vazio sob o cobertor
Em pensamentos que esmagam o travesseiro
Neste pesadelo bocejado logo pela manhã

E o adeus – ah, o adeus! – se aproximou como uma nuvem chuvosa
Cada vez mais próxima, cada vez mais negra
Nesta cidade cinza onde os sonhos nublados não se realizam
Onde a chuva mal tira a poeira dos arranha-céus.

Da sacada de vidro onde por vezes nos amamos
Não assisto serenatas, apenas os faróis e a pressa dos transeuntes
Luzes e sons que pulsam em nossos corpos entorpecidos
Extasiados demais pra distinguir amor e euforia

Daqui de cima é tudo tão bonito
Como a maquete de um arquiteto perfeccionista
Ruas, praças, prédios, casas e avenidas
Povoados pela imperfeição dos que se amam, casam e procriam

Amar é um sonho que se sonha ao meio-dia
Quando o relógio não marca o tempo que temos, mas o que nos resta
Pois o futuro é um tempo que existe entre o fim e a partida
Apenas um segundo entre o “eu te amo” e o “adeus”.