quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cântico Branco


Eis o papel embranquecido
Bandagem das feridas lisonjeiras
Lembranças de um diário intumescido
Na terra onde caem as palmeiras.

No tronco de onde eu, sabiá, não canto
Do ozônio ao qual o céu não tem estrela
No samba que sepulta, no entanto
Ouço ave que gorjeia, há de vê-la.

Das feridas que latejam no papel
Vejo um sangue que derrama preto branco
Vejo estrelas que não brilham neste céu
Que com tinta de caneta as estanco.

Na terra onde o diário caiu
Brotam folhas de caderno, celulose
As confidências de um parvo e bravo Brasil
Da velha pátria, de tão velha: esclerose.

Ouço brados tão saudosos, dos soldados
Na boca, os falos.  Na mão, o fuzil
Vejo versos de poetas retardados
Clamando um céu que só sabe ser anil.

Leio amores em tão fina caligrafia
Leio homens em tão grossa estupidez
Esgúrmitos de uma mente que atrofia
Em cochos de moral e sensatez.

 Muitos clamam o que dizem ser o belo
Tão ilustres, tão amados, nós artistas
Já eu, em cólera, esfacelo
Não me entrego ao veneno dos sofistas.

Sou poeta, mas sou são, não ouço vozes
Sou do povo, mas não amo os oprimidos
Sei amar, mas sem calvários e algozes
Não me vendo às orações de anjos caídos.

Eis o papel enegrecido
Resquício de palavras carvoeiras
Resvalos de um homem entorpecido
Na terra onde reinam as asneiras.

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