quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Fulgorem Tenebrae



Eu
Preciso
Ser
Claro

Claro como a água que a terra suga
Claro como a pele que me traja
Claro como o aspirar da fuga
Claro como o olhar que encoraja

Claro como sal que te tempera
Claro como a lua sonha ser
Claro como o limite raso da espera
Claro como só o anoitecer

Claro que o querer não me esclarece
Como esclarece o clarão da vã magia
Clamo a escuridão que já padece
Calma como o claro que queria

Quente, o escuridel caminhou clareado
Pelo caos que estrelava em cor de breu
Pelos dias que despontam no alambrado
Da beira do mundo de um Deus ateu

Do crisântemo que brotou à beira minha
Vi a luz que floresceu vivacidade
O velório do escuro que caminha
Sepultando as incertezas da idade

E a clareza que um dia motivou
O destrincho de palavras arraigadas
Hoje canta as certezas que cantou
Num tempo de luzes apagadas 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Canção Setembrina


Quando o amor bater à minha porta não a abrirei de prontidão. Hei de deixá-lo a espera, fritando enquanto me perfumo e me pinto de cores fortes. Quando ele entrar não o convidarei a sentar, como é de praxe. Ficará de pé, assim como é do feitio dos servos. Da cozinha, onde é seu lugar, o chamarei a prostrar-se ao meu lado e comer da minha mesa, a qual juntará as migalhas quando for a hora, a qual decorará com flores quando a hora for.
Do leito onde me recolho só se aproximará ao meu chamado, só se deitará ao meu bradado, e só se fartará aos meus gemidos. No resvalo da manhã seguinte, esperará de pé à cabeceira, penteado e limpo, satisfeito e sóbrio, engomado e mudo.
Da desilusão, nada me iludirá. Pois não haverão sonhos. Realidades? Ainda menos. Amor? Infinita e incondicionalmente, daqueles que queimam sem deixar cinzas, que matam sem se quer ferir. A submissão há de ser uma máscara, e o sacrifício mútuo, uma verdade daquelas que não doem. Dos românticos, só restarão as flores; dos realistas, somente as certezas; e do que falta, somente o que sobra.
Sofrer é uma escolha. Deixar de sofrer, porém, não significa deixar de amar. Significa amar-se o suficiente para ter a humildade de aceitar que não há nada mais importante que si mesmo. Sim, a humildade. A vida me ensinou assim. Ou fui eu que ensinei pra ela.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Casto Libertino

Pois eu quero viver uma grande paixão, daquelas que duram para sempre, até acabar. Daquelas que sempre vivi. Daquelas que sempre morri. E do findado perpétuo que sobra, tudo faz sentido, menos o fim. Do fim, o término acontece não num beco sem saída, mas numa estrada interditada. Em obras, diz a placa, ou em demolição? Independe. O fim é concreto, asfáltico, assim como o chão que nunca pisei.
O fim da linha é um destino fácil e conveniente. Difícil é voltar pra casa pelo mesmo caminho. O regresso ao lar se faz condecorado pelos buracos e valas na estrada que outrora foi caminhada, e as árvores que cresciam à beira já não são tão floridas, porém continuam lindas.
No lar, por fim, o teto engessado se torna o céu de madrugadas incontáveis e se faz tão estrelado quanto as noites que não dormi. E inerte, como o amor se fez para mim, eu amo. Desapaixonado e vazio, eu amo. Desalmado, eu amo. Eu amo a desilusão que não me golpeia.
Na sobriedade dos meus olhos, nem tristeza nem alegria os faziam marejar. As lágrimas se perderam na inércia, e os olhos se fecharam para a luz. Do meu coração adormecido o que se encontram são os gritos da carne, o resvalo do gozo.
Sem mais, hoje eu abraço a maciez do vazio e me aqueço no sulco do nada. Me refresco no vácuo que sopra. Sem calor. Sem frio. Sem ninguém. E eu adormeci. Os olhos se fecharam e contemplaram no avesso das pálpebras, marcado a fogo e lágrima, o desenho de um rosto que eu nunca vi.