sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Paterna mãe...


Foi como perder um membro,
Um abraço de confiança.
E onde está a minha herança?
Dá-me a parte que me cabe!
Não deixe que tudo acabe!
Pois do teu sorriso ainda me lembro,
Coisa de um tempo de criança...

Foi como um abandono no altar,
Deixou-me sozinho na dança.
Será que você não se cansa?
Tantas coisas que você não sabe!
Tanta coisa que te cabe!
És uma chuva de setembro!
Faz-te de teu nome uma lambança...

Foi como não mais te conhecer,
Foi um cessar da esperança,
Será que você não se dança?
Tantas coisas que você não cabe!
Tão pouco, tão quanto acabe!
Tantos beijos, não me lembro!
Coisa de um tempo de criança...

Coisa de uma criança de outro tempo...

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Sagrado Antagonismo


Eu queria saber o porquê dessa busca incansável e inútil atrás de um vilão que não existe. Queria saber no que se baseia esse anseio desesperado de achar um culpado, essa necessidade insana de ver na condenação do outro uma chave que certamente abrirá as portas de um céu que só existe na nossa cabeça.  Não, meus caros amantes, os homens não são divididos entre mocinhos e vilões. Não somos assim tão compreensíveis, antes fôssemos! Não somos tão simples, não somos tão insossos, não somos personagens planos na mão de um Cartunista; somos seres de personalidade esférica, de vontades próprias.  E a maneira que achamos de maquiar nossa verdadeira cor foi criando princípios que só existem pra nos fazer acreditar que não estamos sozinhos nesse grande e triste mundo acinzentado.

Ora! Estaria agora eu então negando a existência de um Deus?! ... Sinto lhes informar que não meus bons homens, é justamente o oposto, estou apenas negando a existência de servos.

Se Deus existe, eu tenho pena dele, pobre homem, há de ser o maior dos solitários. Pois parece que Dele já não precisamos mais, não é? Não precisamos de um Deus, queremos apenas um demônio, sobre o qual colocamos as culpas e os deixaremos lá, pagando pelos nossos pecados! E os demônios estão mais perto do que imaginamos e é necessária muita precaução, meus amigos, podem estar dentro de nossas próprias casas, dentro de nossas próprias vidas, dentro de nossos Corações... Mas não dentro de nós, é claro.
Seja bem vindo ao mundo, meu amor! Use das minhas lágrimas e lave bem as tuas mãos. Sois o meu Deus.
 E o teu diabo sou eu.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Fraterno Fim.



Queria pedir perdão.

Perdão se eu não sou aquilo que você sempre sonhou,
Perdão se eu não sou aquilo que sempre sonhei,
Perdão se não somos aquilo que sempre sonhamos,
Perdão se eu não sonhei com aquilo que você seria,
Perdão se eu não sonhei com você,
Perdão se você veio e eu deixei,
Perdão se não quis mudar você pra mim,
Perdão se você era como eu sempre quis,
Perdão se você era como eu nunca quis,
Perdão se você me satisfez,
Perdão se não quis mudar-te,
Perdão se quis conservar-te,
Perdão se simplesmente te aceitei.

Queria agradecer.

Obrigado por fingir que eu era aquilo que sempre sonhou,
Obrigado por tentar me fazer acreditar que sou aquilo que sempre sonhei,
Obrigado por fingir que fomos aquilo que sempre sonhamos,
Obrigado por não ser aquilo que pensei que você seria,
Obrigado por ser o que eu não sonhei,
Obrigado por ter vindo,
Obrigado por não ter mudado por mim,
Obrigado por ser como eu sempre quis,
Obrigado por ser como eu nunca quis,
Obrigado por me satisfazer,
Obrigado por não mudar quando eu quis,
Obrigado por continuar assim,
Obrigado por você ser uma pessoa... Aceitável.

Perdão por ser Obrigado,
Obrigado pelo seu perdão.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Fina existência


E quando percebi já era tarde, eu estava chorando outra vez.
E assim eu continuaria, não fosse a chuva fina, que tamborilou na janela e foi encontrar minha pele um pouco mais adiante. Ainda meio sem vida, sequei com os lençóis aquela mistura homogenia e límpida de chuva e lágrima que descia pelo meu peito. Me demorei admirando o meu próprio umbigo, meus joelhos, minhas pernas...
Olhei pro meu reflexo enegrecido na TV desligada em minha frente. “Patético”, pensei. Tentei voltar novamente à atenção pra aquilo que minhas mão seguravam: um livro pequeno, capa dura, esboçada com uma árvore, um sol e um menino. As últimas sensações daquela página ainda resvalavam pela minha cabeça, tentando me fazer relembrar o ponto da história em que eu havia parado. Lembro-me de uma dose de gim... E de um beijo.
Mas lá estava, destacando-se sorrateiro dentre as últimas folhas do livro, a grande e patética motivação de ser preciso mais uma vez enxugar o meu rosto depois duma noite mal dormida.  Uma orelha de papel já amarelada, que sem pensar duas vezes, num movimento quase que mecânico, quase que frenético, quase que desesperado, a puxei, desdobrei, e encontrei mais uma vez aqueles seus olhos risonhos e miúdos olhando pra mim cheios de falsa inocência.
O porquê daquele martírio voluntario eu não sabia, mas toda noite antes de dormir aquela fotografia velha estava pairando sob o meu olhar. E eu sentia que ela queria ser observada, a sentia vibrando entre meus dedos quando a olhava pra ela de maneira tão intensa, sabia ainda que ela tinha medo de se acabar em chamas por debaixo do fogo dos meus olhos... Por debaixo das labaredas do meu corpo, em meio o vulcanismo enlouquecido que corria dentre as minhas entranhas.
 Ah! E quantas e quantas erupções você não presenciou, não é? Aquele seu gemeozinho de tinta e papel sabia sim como me incitar às coisas! Sabia me trazer nas noites sozinho aquela felicidade fácil, aquele prazer barato; aquela agonia de ter que me contentar com uma maldita foto colada no teto do beliche, na frente de meus olhos aguados... Você estava lá! Velando a minha maledicência, rogando pela minha Solidão! Me fazendo acreditar que aquela enganação podia nos aproximar um pouco mais!
O pior era ver que dentro daquele quadradinho você não reagia, chegava a ser cômico uma cena minha em prantos enquanto você sorria eternamente dentro de seu insolente papel. Uma coisa era certa, e apesar de todas as minhas incertezas, aquele não era você!
Depois de te encarar por mais uma outra e nova eternidade, apertei sua fina existência contra o meu peito e fechei os olhos.  
Dormi com você essa noite, você é quem não dormiu comigo...
E quando percebi já era tarde, eu estava chorando outra vez.

Mas, enfim, entretanto, afinal...


 
Não te perdôo por não sair da minha cabeça.
Não me perdôo por ter deixado você entrar.
Não perdôo a vida por me trazer visitas tão lindas e inoportunas.
Mas, enfim, entretanto, afinal...
O perdão é uma coisa da qual não preciso.
É inútil!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Cântico das Ilhas Egéias



És o meu peregrino de uma nação longínqua,
És o meu corcel de uma campina suja,
És o meu pecador que ao céu sobrepuja,
És a minha helíade dos álamos sem flores.


Sois os caracóis inanimados de seus picos,
Sois as frívolas mentiras que quero tanto acreditar,
Sois os sagrados óleos nos quais quero lhes untar,
Sois as pedrarias de meus bustos ricos.


Sejais ainda, espero, a minha alegria,
Sejais pra ti um dia um retrato de prestígios,
Sejais ainda um Deus, um campo de Helígios,
Sejais o pai dos Eliseus, sejais a mãe das galatéias.  

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Uma nota de adeus a Deus.


Não sei bem se é um vazio, mas sei que és oco, e quieto demais. Sei que nas rotundas deste seu corpo maciço existe uma solução de líquidos que clamam por um pouco mais de testosterona no peito, mais anfetamina na veia, mais epinefrina nos lábios. Sei que parte desses líquidos não jorra a meu favor, sei que não sou o único. Sei também que únicos não existem. Sei também que você aceita de muito bom grado não ser o único de ninguém.
Sei também que você se conhece, sei também que você sabe que eu sei que você se conhece. Sei também que você sabe, não de tudo, não de nada, sabe saber, sabe subir, sabe sobrar, sabe sobreviver, sabe sobrevoar, sabe sobrepujar, sabe subentender, sabe subalternar, saber surrupiar, sabe sonegar, sabe sorrir quando é preciso, sabe saber dos meus e dos teus shows, sabe sentir quando lhe é conveniente, sabe também interromper os sentimentos com louvável perspicácia, sabe salientar as palavras quando lhe convém, sabe fazer as coisas esse meu amigo... Sabe fazer, sabe sim... Sabe ser um sábio.
Sei também que você sabe que eu sei que você sabe, e isso te diverte.
Sei também que nada disso importa, sei que saber sobre sua sabedoria não me faz mais forte nem mais fraco que estas inverdades que te sustentam, fazem de mim apenas o apaixonado que sou. Sei ainda que a culpa não é sua, mas não por muito tempo...
Sendo eu o apaixonado que sou, a paixão não foi embora, quem se foi fui eu! Resolvi praticar um racionalismo e um distanciamento tão machadianos que me assustei quando me vi rascunhando as minhas próprias memórias póstumas... E elas eram bonitas sabe, pois você estava nelas. Olhei nos meus próprios olhos e admirei uma redoma tão límpida, tão úmida, tão pura, que só você não consegue ver. Percebi que não eram minhas vestes que estavam manchadas, não era falta de alvejantes na alma, eram na verdade os teus olhos que estavam embaçados. Embaçados não, ensebados. Ensebados não, exacerbados. Exacerbados não... mortos.
E sei também que eu sempre soube, era bom demais pra ser verdade... não era verdade afinal.