Houve um tempo em que sobre o mesmo chão que pisamos hoje nada pisava, em que os anjos ainda usavam sandálias, em que a morte era uma lenda e não um destino. Naquele tempo ninguém buscava a terra prometida, pois promessas eram coisas para tolos e a tolice ainda não havia sido inventada; não haviam guerras, pois não havia pelo que guerrear; não havia paz, pois não havia o que apaziguar; não havia amor, pois não havia a quem amar. Não havia nada.
Nesse resvalo vazio o nada vivia, o nada morria. Eu morria. Eu vivia. Nos caminhos imaginários que nunca imaginei o nada caminhou por sob o nada que havia. Eu caminhei. No imaginário inexistente em que o nada caminhava eu caminhei, inexistindo num sonho que consistia em imaginação, em criatividade, na criação do nada.
Assim, não mais que de repente, o nada se criou como se isso não fosse nada, e assim o era. Nada mesmo era acreditar na inconsistência sólida que ali pairava, era muito mais sensata que essa concretidão que nos afoga na segunda de manhã. Mas era bom demais pra ser verdade. E foi assim, do nada, o nada se desfez e me refez como se eu nada fosse.
Como se não bastasse, com o cair do nada caiu também a sandália de um anjo por sobre a minha cabeça, uma cabeça real e redonda, de verdade, existente, e que doía. O corpo onde me alojei era fraco e desprezível, assim como o seu. O mundo onde habitei era fraco e desprezível, assim como o seu. A vida que vivi era fraca e desprezível, porém, admito, não tanto quanto a sua.
Do nada que você foi pra mim, nada sobrou, somente as lembranças do nada. Dos teus agradecimentos copiosos nada tenho a responder. Por nada. Do nada nascemos ,ao nada voltaremos, assim como você voltou. Nada nem ninguém me farão caminhar outra vez por estes caminhos tão concretos, tão cheios de pedras. E foi nesta consciência do nada que compreendi a verdade por trás de tudo. Não haviam pedras no caminho, não havia nada, havia eu.