domingo, 13 de maio de 2012

Matricídio



Materializara-me, por fim, num mundo onde os cérebros não faziam jus àquilo que os olhos enxergavam. Os olhos, por sua vez, pouco ou nenhum senso de justiça exerciam quando, por sorte ou por um descuido, chegavam a testemunhar o mundo com um mínimo de lucidez. E os lúcidos, pobres coitados oriundos das terras da razão, foram de todo condenados a caminhar sem rumo por sobre a face da terra, às cegas e às gargalhadas, buscando irmãos nos quais se apoiar, com os quais compartir a maldita piada do destino, procurando outros herdeiros da herança vazia da grande mãe.
Primogênito, nasci. Trazendo cravada na pele e nos ossos a lembrança de um derradeiro sorriso de virgindade e me divertindo com o sadismo da conspurcação. Desprovido de valores ou princípios, andei por entre os povos disseminando a inconsistência amarga da verdade e a consistência adocicada do sangue, da porra e da desilusão. Sem limites, limitei-me a viver. Sem pena, penalizei-me com deboche. Sem orgulho, me orgulhei do nada em que o tudo se consiste. Pois toda noite, antes de dormir, escuto uma triste história da voz ininteligível da grande mãe.
Engrandeci-me, então, no dia em que ofertei no altar toda a insignificância da minha pequeneza. E lá de cima, inexorável matriarca, a dureza de seus olhos profundos não me permitia fraquejar, ora, pois a fraqueza subsiste no homem como sua mais forte essência. Essencialmente, pontuo: muitas vezes me entristeci por descobrir que dentre os gigantes eu era o maior, tal como dentre os pigmeus era eu o mais mirrado. Entristecia-me por saber que naquele pequenino mundo em que por um infortúnio nasci, os olhos continuavam a ver mais do que se havia para ver e menos do que deveria ser visto. Assassinando assim, dia após dia, a vida desvivida daquela que todos os dias nos amamenta sem necessitar de tetas e nos embala mesmo quando não estamos dormindo. Renegando assim, eternidade após eternidade, as lições daquela que nunca se preocupou em ensinar. Sacrificando assim, com a frialdade característica dos seres humanos, o estéril ventre que nos gesta e nos cria sem pedir algo em troca, porém também sem nada a nos oferecer. Mas tu ainda vives em mim, grande mãe. Eternamente, até que o eterno termine, minha querida. Dá-me tua benção, Existência. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário