terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Resipiscência


Dói tanto. E as lágrimas rastejam pelo meu rosto, ácidas, abrindo caminho por entre os vincos e por entre as quinas, escrevinhando curvas neste meu esgar indolor. Da beira dos meus olhos elas saltam das pálpebras como quem salta de um precipício, se lançando ao vazio, vertiginosamente angariando novas inexistências, novas indecências, novas dores. As velhas dores, porém, assomam-se como que por pirraça, pisoteando rudemente o meu coração. E o coração, outrora tão vigoroso, guincha nas revivescências do cansaço, esvaindo-se nas mãos da desistência, desconseguindo-se.
Sinto em cada grota do meu corpo a carência daquele sorriso que a luxúria pela luxúria não é capaz de causar, e minha pele se eriça ao perceber a frieza da solidão, ao imaginar o sorriso se estampando em outros rostos – sorrindo-se para outros rostos. Minhas mãos, tão pequeninas, estremecem perante a perspectiva de nunca mais tocar-lhe a face. E a face, contorce-se como que atingida por um bofetão, daqueles que nocauteiam a alma e explodem o crânio. O crânio, por sua vez, envolve agora meus pensamentos para que eles não escapem e firam algum inocente que cruze meu caminho. Pois o que me resta é a honra de admitir as culpas, tanto elas quanto os méritos. Méritos de um fracassado e, por conseguinte, os fracassos de um merecedor.
Deixei que a felicidade escorresse livre pelos meus dedos e, pelo sim ou pelo não, agarrei-me ao talvez e o que me sobrou nas mãos foi a certeza do nunca. Certeza que se perpetuou entre nós, imbatível e nua como uma muralha. Muitos não sabem que, por verdade, muralhas não servem para proteger nem para trancafiar, mas que têm a função de nos fazer imaginar o que há do outro lado. A tortura, no entanto, se consiste em saber e já ter provado do que do outro lado há, porém ser incapaz de provar novamente. Eis o martírio que hoje me escapa pelas palavras: saber que não lhe pertenço, mas que tive a chance de pertencer.
Como é de praxe, e é sabido por todos e por mais alguns, a minha chance se perdeu em algum momento entre o talvez e o jamais, me deixando velar a tristeza do quase, imaginando tudo o que poderia ter sido e não foi. É, como se pode notar, uma dor muito consciente, o que não significa que seja menos dolorosa. Ora, tem-se que a razão é inimiga do alento, pois saber das coisas as fazem parecer mais reais e, consequentemente, mais intensas. Mas as consequências não puderam e não quiseram ser preditas pelo meu coração apaixonado e hoje pago em altos brados pelas culpas de um amor silencioso.
Sim! Amei-te calado assim como odiei aos berros. Surpreendi-me, por fim, sendo estrangulado pelos braços do silêncio, tão fortes e viris quanto os teus. Sei que é tarde, mas o tardar das lágrimas não poderia abonar o atraso do sentimento? Sei que não. Pois a esperança me abandonou assim como você nunca fez, era eu quem nunca estivera ali para ser acompanhado. Hoje o arrependimento mina pelos meus olhos e encharca meu peito magro, mas que retumba quando ouve teu nome. E eu me envergonho, por sempre ter dito que é preferível chorar por aquilo que fiz do que  por aquilo que deixei de fazer. Agora minha língua está queimada assim como meus lábios estão molhados. E eu já não consigo mais sonhar, nem sorrir e nem cantar. Dói tanto. 

Um comentário:

  1. pra que tamanha tristeza se até os fracassados tem seus méritos. Que méritos? O mérito de tentar de novo, e de novo, e de novo..

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