domingo, 19 de fevereiro de 2012

É proibido pisar nos sonhos


É proibido pisar nos sonhos. Uma vez eu li esta frase bonita, acintosamente grafada na cabeceira de uma das camas sobre as quais me deitei e gemi. Não me recordo qual, tampouco me lembro com quem. Fulgurantes, palavra por palavra dançaram na frente dos meus olhos, gradualmente se formando em verso, exalando poesia. E uma tristeza inexorável, daquelas que quando surgem ignoram todo e qualquer outro auspício, tomou conta do meu peito, transcendendo as paredes da respiração. Sufocado, então, calei-me, deixando apenas que as palavras, feito lágrimas, rastejassem pelas pautas de um papel empalidecido, tão claro e vazio quanto meu coração, vermelho e mortiço como uma campina depois da batalha.
A batalha, porém, travou-se não numa campina, mas por sobre fronhas e lençóis perfumados. Pois perfumada é a dor que se anui em meu peito, que carimba um cheiro doce toda vez que me perpassa, perpetuando-se numa tintura incolor que nem mesmo o álcool pôde lavar. Entrementes, foi submetido aos langores de um bom vinho que meu corpo se abriu aos intentos do vigor, embevecido de prazer, rendido aos braços ilutópicos da fornicação. Felicitado, como que num milagre, flagrei-me de quando em quando sorrindo feito a criança que eu nunca fui, bravateando uma inocência que jamais me pertencera.
Eis que surge ao meu redor o pendor da consciência, que me obriga a relembrar que estes instantes de iluminação não são duradouros e que essa fábula de alegria não é perene, dita que essa alegria é de fato autêntica, porém não me pertence. É justamente aí, no poder tocar sem poder levar, no poder dormir sem poder sonhar, que se consiste o sofrimento, ora, perfumado sofrimento. Dói sorrir e não ser sorridente, estar alegre e não ser feliz, estar aqui e pertencer a outro acolá. É como visitar o paraíso, mas não poder viver por lá, tornar ao caminho que leva ao inferno e fazer dele minha casa. Só que o conformismo, é notório dizer, nunca foi uma dádiva que me apetecesse.
E é por isso que, ora no inferno, ora no paraíso, vago pelo limbo dos homens frustrados, carregando na sola dos sapatos a sujeira da decepção. Escuto sempre no ecoar dos meus passos um ruído de devastação, e eu não sei se são admiradores rastejando-se em meu encalço ou se são lágrimas tamborilando pelo chão. Foi então, num instante entre o aqui e o agora, que notei o peso da resipiscência que pairava por sobre a minha cabeça e sob ela descalcei a decepção dos sapatos que machucavam meus pés. Raspei dos sulcos de seus solados emborrachados toda aquela imundice odiosa e vi, quando os fanicos cascatearam pelo chão, que eram na verdade fraguimentos do meu sonhar. E então, na minha memória tão sadista, me lembrei de uma vez que li uma frase bonita, acintosamente grafada na cabeceira de uma das camas sobre as quais me deitei e gemi. Não me recordo qual, tampouco me lembro com quem. É proibido pisar nos sonhos, dizia. Algo mais ou menos assim. 

Um comentário:

  1. É proibido pisar nos sonhos mas é absolutamente permitido caminhar sobre eles.

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