quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Quarto n° 703


Um susto. Um homem. Um beijo. E ao tornar abrir os olhos a lua já se fizera preguiçosa rastejando-se pela abóbada do céu, mansa como teu carinho, tenra como teu vigor. Foi tudo muito rápido, ligeiro a demasia, como se minha respiração orgástica houvesse engolido uma colherada do tempo. Como se os ponteiros tivessem pressa de mandar você embora, apontando e acusando que teu lugar não era aqui e que este nosso sonho estival não passava de uma lacuna na linha do existir. Mas a lua estava ali, ah sim, e era nossa testemunha.
O que ninguém mais escutou, ela ouviu. O que ninguém mais enxergou, ela viu. Através das cortinas vazadas da janela ela pode reportar às estrelas o que naquele quarto se passava, que um sacrilégio divino se consumara. Começaram os festejos de verão! E o suor veranil fez-se caudaloso, embicando as amolgaduras de teu peito que arfava, recendendo e impregnando de segredos aquele quarto de hotel. Lembro-me do número, acintosamente gravado naquela porta que não rangia, azeitada como meu despudor. Eu me lembro, tenho certeza. Alguma coisa entre 702 e 704. Uma lembrança muito vaga, admito.
Mesmo com as luzes apagadas, como é de praxe, fechei os olhos e deixei que cada centímetro do meu corpo sentisse o teu sabor. Terno como um chuvisco de fim de tarde que nos acaricia a face e nos ensopa por inteiro, ardente como um soldado de guerrilha que a casa torna. Nas trincheiras do meu corpo deixei que se fizesse abrigo, anuindo às metralhadas que ribombavam do teu coração. E de fato batalhamos como batalharam os grandes reis do norte, até que nem mais um homem estivesse de pé.
Eu, nativo, honrei-lhe com o que tinha de melhor. Tu, hóspede ilustre, presenteou-me com o que tinha de maior valia. Intercambiamos fluidos, cada um em sua doçura. Hóspede entumecido, hospedado no anfitrião que se concedia tão hospitaleiro. Fora um lindo banquete, daqueles que no futuro serão lembrados nas canções, trovado na viola dos trovadores, e cantarolados nos lábios macios de um menino. Lábios meus. Agora talvez teus.
No mais tardar, quando as despedidas já haviam se proferido, já sentado na sombra de minha casa, resolvi abrir a janela na esperança de que o vento levasse o seu cheiro doce que se impregnara em minha roupa. Um perfume daqueles que lhe aguçam o espírito e te faz ao mesmo tempo querer fugir e querer enfrentar. Mas o que por verdade o vento levou foram as minhas antecipadas saudades. Eu fiquei ali sorrindo tristemente, imaginando quando voltaria a te ver e me esconder de novo noutro quarto de hotel, noutra janela, noutro número, e teimosamente ignorar a inconveniência da lua, solitária e invejosa, nos olhando cheia de censura. 

2 comentários:

  1. Não é q ela seja solitária ou invejosa, o caso é que a lua é nova e nao tá acostumada com essas coisas kkk. Belo texto Marcos.

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