quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Águas de Profanação


O primeiro verso é sempre o mais difícil. Assim como uma lágrima que teima em se pendurar nas pálpebras o primeiro verso sempre se agarra insistente na ponta dos dedos, recusando-se a fazer verbo da carne que intumesce meu coração. Quando padece a teimosia, porém, observam-se lágrimas que jorram da ponta da caneta para o papel, e também versos que escorrem dos olhos para a ponta do queixo e, depois, para o peito ou para o chão. Que descuido.
Lágrimas e versos não devem ser desperdiçados, é sabido. Foi um tarado num sonho que uma vez me ensinara e eu nunca me esqueci. Ora, pois um tarado nunca deve ser contradito, eles sabem das coisas. Não convém que lágrimas sejam derramadas para regar a terra, assim como versos não devem ser proferidos em louvor aos céus, dissera ele. No entanto a teimosia novamente se fez soberana e a terra continuou encharcada e o céu continuou resplandecido. Uma lástima, justa de minhas palavras de queixume.
Queixo-me pelas lágrimas nunca derramadas, pelas poesias nunca declamadas e pelas nádegas nunca defloradas. Pobre daqueles que conservam as pregas do cu, tão fechadas e inflexíveis quanto suas cabeças condicionadas, e tão imundas quanto seus corações. Rezo pelos que nunca sentiram na face o sabor e cheiro da porra, e que carregam à sombra do nariz bigodes grisalhos penteados pelos dedos mansos da moral e dos bons costumes. Lamento todas as noites pelos homens de espírito aberto e de corpo fechado, de mentes lacradas e olhos arregalados. Lamento sim, em altos brados inclusive: gemendo.
Lágrimas ao léu? Inaceitável! Versos ao relento? Inconcebível! Mas e quanto às várzeas da masturbação e aos respingos de suor e saliva? Que transbordem pelas ancas e pelos traseiros dos poetas e dos choramingões! Minhas perguntas foram claras, mas as respostas foram leitosas como só as palavras de um tarado poderiam ser.  Lembro-me daquele sonho assim como me lembro de cada uma das camas sobre as quais me deitei, de cada companheiro e de cada baixaria sussurrada em meu ouvido. Pois sussurrados devem ser os ensinamentos de maior valia, para que somente mestre e pupilo possam ouvir.
Estas sim, as baixarias, é que devem ser versadas em poesia e orvalhadas em lágrimas, águas de profanação.  Pois o último verso é sempre o mais fácil e o mais bonito. É como o amém de uma oração fervorosa, ou como o ultimo gemido tântrico de uma noite de verão. O último é aquele que ecoa por mais tempo, é o que alcança o maior número de ouvidos, o que pinga um ponto final numa história onde não há desfecho. É como gozar, é trivial. Ora, pois, como de costume, o melhor é guardado para o final. 

Um comentário:

  1. E o tarado do seu sonho era.....vc mesmo!! Quando se juntam escrevem muito bem. Parabéns pelo texto.

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