quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Leréia Boreal


Eu disse boa noite, mas acabei não indo me deitar. É engraçado. As madrugadas me seduzem como nenhum raio de sol jamais o fez. É excitante pensar que lá fora, em alguma esquina dessas, podem estar caminhando um assassino; ou um molecote enxavando um baseado, fumando a pedra; ou o amor da minha vida comendo alguma prostituta barata, um viadinho qualquer.
Queria eu estar com ele no instante do alvorecer. Com meu amor não, com o assassino. É engraçado. A morte me seduz como nenhum retumbar do coração jamais o fez. É excitante pensar no número de almas que se despediram ao sentir o toque daquelas mãos, ou nos litros de sangue que um dia mancharam aqueles sapatos sovados, ou nos lugares que ocultam os corpos que aquele homem desovou.
Excitante mesmo seria morrer no crepúsculo, sem ter que dar bom dia ou boa noite pra ninguém. É engraçado. O acinzentado do céu me seduz de uma forma que o azul jamais o fez. A excitação consiste justamente em tentar definir o tom inconcusso daquele cinza desbotado. Grafite? Metálico? Foda-se. Uma vez ouvi dizer que homens só enxergam cores primárias.
Bem que eu queria. Morrer no crepúsculo não, mas enxergar as cores. É engraçado.  A cegueira me seduz como a visão jamais o fez. É excitante imaginar um mundo onde os teus limites se constroem na ponta dos dedos. Ou então imaginar o rosto das pessoas somente ouvindo a sua voz. Ou daí piscar os olhos por repetidas vezes sem ter que ver a realidade se entrecortar.
Eu queria mesmo era acreditar nessas besteiras que falo. É engraçado. Meu egocentrismo me seduz como a humildade jamais o fez. É excitante fazer-me servo nesse lugar onde até mesmo Deus é ateu. Ou então fazer-me Deus onde os servos não existem. E daí provocar o meu próprio apocalipse e matar toda essa ralé que se reúne a minha volta.
E o boa noite que dediquei está prestes a se tornar bom dia. É engraçado. A solidão me seduz como a paixão jamais o fez. O excitante é contemplar o céu sem ninguém me observar, sem o abraço do assassino, sem o baseado do menino, sem as juras do meu amor. Sem a morte, sem a loucura, sem o sexo. Sem o vermelho do sangue, sem o vermelho dos olhos, sem o vermelho do coração. Sem excitação, sem graça, sem ninguém. 

Um comentário:

  1. Lindo texto. A contradiçao entre desejar o mundo flertando com a solidão. Que os poetas saibam cuidar de nós.

    ResponderExcluir