segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Obituário da Terceira Moira


Escute, quando as ondas do mar se alquebram nas pálpebras dos olhos meus. Sentiste o respingar? E a maré já se abaixa? Chegue mais perto, escute quando o vento assovia no ardor dos suspiros meus. Sentiste a brisa? Preencheste o peito? Não tenhas medo, vede o brilho do sol alvorecer no meu coração. Sentiste o fogo? Queimaste por dentro? Percebeste que estes meus verbetes de amor metaforizam-se mergulhados em águas ficcionais? Enxergaste? Percebeste que é tudo mentira?
Baixaste a guarda, tolo dos tolos, e me deixaste desembainhar as fraquezas que te alentam de manhã bem cedo. O alvorecer é tão escuro e inquisitivo quanto vosso coração esvaziado. A idade das trevas se fez plácida além das muralhas que nunca construíste, e contemplaste, rindo-se, das bruxas oriundas que aos teus pés foram queimadas, dos mimos e arlequins às tuas ordens degoladas, dos filhos da lua que te celebravam no advento. Ei-lo, tu, coração enamorado, que me odiaste neste meu delírio de paixão, que me benzeste nesta profana oração, que me imolaste nesta cruz banhada em fúria.
Injúria, fraqueza maior que se esconde em meu peito: vertigens satânicas que cravam teu corpo no meu e que, tão cabreiro, marca minha alma selada a ferro e fogo, fogo de paixão insaciada. Bestial é o amor que me amaldiçoa por dentro, me fazendo acreditar nas leréias advindas de Deus Pai, engarrafando a beleza e resplandecendo a sutileza neste meu espírito condenado. Valentino é o medo que escapa dos meus olhos, cegueira esbranquiçada que me fez amar a ti, príncipe do terceiro trono, beleza ilustrada em tirania. Tiranos são os meus desejos, que me ordenam ao sacramento do prazer.
Vejo no teu olhar a quinta ponta da quinta estrela, que me empala e me oferenda aos deuses advindados em tua luz solar. Ouço, quando em seus braços, o uivo dos lobos ladrando em culto à minha pele enluarada. Vejo, quando em teus beijos, o brilho da escuridão dos olhos fechados ou semicerrados. Sinto, quando em teu corpo, a garra do diabo que me rasga as entranhas, soprando-me o orgasmo em labaredas infernais.
Hoje, já escorrido todo o sangue enegrecido, respiraste as cinzas que bruxuleiam no teu ar. Cinzas do meu corpo carbonizado, afogado e acorrentado, que por hora, sem demora, se banha no enxofre, no agrado do demo. Exorcizados foram os meus sentimentos, queimados nas chamas do teu ódio, afogados nas lágrimas do meu amor. Alma sacerdotisa hoje se faz perdida, enamorando o vazio gélido dos mármores do inferno. Consagrado sejas tu, ao ouro e às regalias. E que a morte venha a mim, desprovida de alegrias. Venha a mim a sentença, a peleja e a punição, o castigo à linda e odiosa feiticeira que nunca levantou uma única pétala de anis e nunca consagrou uma mísera rosa no intuito de amarrar o teu amor. 

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