Tantas e tantas vezes olhei pro lado e vi você ali, sempre ali, sempre meu. Me acostumei, ao passar dos dias, com aquela imagem, aquela presença segura sempre ao meu alcance, sempre fácil, sempre minha. E quando, por ventura, olhei e não mais te vi, veio depressa o desespero e o medo, aquele aperto sem abraço, aquele vento sem perfume. E quando por fim admiti a inegável derrota foi que a mais cruel das sentenças se abateu sobre mim. Eu estava só outra vez – mais uma vez – condenado a brincar de faz de conta com minha coleção de solidões, com minha canastra de escuridões e brinquedinhos cinzentos, como se a criança que existe dentro de mim ainda estivesse viva.
Doravante, por mais que meu berço de sonhos escuros tenha tornado a desfalecer ao meu redor, as lágrimas que eu deveria chorar azedaram-se todas nas calhas dos meus olhos devido ao calor, mormaço que me fazia suar e sorrir para não derramar lágrimas talhadas de decepção. O grito que eu deveria soltar morreu antes que me chegasse à garganta, e eu nunca pude saber se seria um urro de sofrimento ou um “eu te amo” lançado ao céu. E se era o sol ou o ciúme os responsáveis por me ferver o sangue, nunca descobri, mas talvez você tenha um bom palpite.
Palpitantes foram os soluços que me levaram aos tropeços de volta para casa, carregando na sola dos pés a sujeira da rua e a maldição de um homem fadado a caminhar sozinho, com os olhos sempre voltados para um futuro bonito que parece não chegar nunca. Mais duro que ser rejeitado por alguém que não consegui conquistar é ver ir embora aquele que me beija em sonhos e que me encara com olhos de paixão. Há algo de muito errado nisso, errado demais, triste demais, covarde demais.
Desventurados aqueles que deixaram seus corações a mercê do medo, e que fizeram do medo um teto sob o qual morar. Infelizes daqueles que abandonaram suas juras de amor ao desdém do silêncio, e que fizeram do silêncio um túmulo sob o qual dormir. Desgraçado daquele que me roubou seu toque aquecido, seu sorriso sincero, seu coração de menino. Pois suas cantigas e cirandas agora são dançadas e cantadas com outro, com outros brinquedos mais coloridos que os meus, gargalhadas mais sinceras que as minhas, num fabuloso jardim onde crianças más não brincam.
Reprimir esse amor é como te ver devolver um presente cujo embrulho nunca foi rasgado, como se me retornasse uma carta selada sem que nem ao menos tivessem o esforço de abri-la. Uma linha tênue entre a humildade e a ingratidão foi traçada e eu não sei de que lado ficar. Busco o caminho menos doloroso, mas é difícil prosseguir quando nossos pés já deixaram de sentir o chão ou quando nossos olhos deixaram de acreditar no céu. A quem presentear, me pergunto, a quem escrever. De que me adianta a poesia se a rejeição se arrasta atrás de mim como uma sombra? Sublimaram-se então cada um dos sentimentos que deveriam ser regurgitados, mas que sempre engoli.
Não quero ser uma lembrança, mas tive de abaixar a cabeça e aceitar o cargo. Já consigo ver os calos que se formam em meu peito a fim de exercer tão desonrosa tarefa, e o suor que embica os vincos do meu rosto escorrendo misturado às lágrimas que reprimi por tanto tempo. Nada mais terrível e poético que ostentar a coroa de um rei deposto e, por mais afáveis que tenham sido as suas palavras, me tornar um pedaço do passado na vida daquele que hoje representa o meu presente. Invernos virão e eu sei que flores nascerão com o passar do tempo, mas talvez essa lembrança primaveril um dia possa ser resgatada. Não se esqueça de nossas flores, meu menino, e volte quando sentir vontade. Talvez eu não esteja mais aqui, admito. Mas talvez, quem sabe, eu ainda esteja. Amo você.
Para um menino brilhante e que diz a mesma coisa que meu coração chora, todos os dias. Para você, pequeno rejeitado. À nos, pequenos amantes silenciosos: https://www.youtube.com/watch?v=q_-Y7zS82VM.
ResponderExcluirLindo, Marcos, Lindo, viu?
Eu lamento por tudo, garoto... Se eu pudesse iria controlar não o seu coração, mas o coração daquele por quem vc chora e, então, faria ele entender seu amor. Acredite nos seus desejos sempre. Há de surgir sonhos que serão realizados. Um dia ou outro alguém ainda lhe dirá: "quero ficar só com vc..." E quando este seu dia chegar, será agraciado por ser amado tb. Mas não espere que entendam seu amor, que reconheçam sua luta. Desligue sua televisão emocional, sacuda a poeira, limpe a casa, troque o disco. E viva uma vida nova.
ResponderExcluir"Sublimaram-se então cada um dos sentimentos" e fez-se o mais lindo dos poemas de amor, cujo final não poderia ser mais alegre. Quem perde tudo mas não perde a esperança é mais feliz do que a felicidade.
ResponderExcluir"Não quero ser uma lembrança, mas tive de abaixar a cabeça e aceitar o cargo."
ResponderExcluirÉ... você acabou de descrever o que eu sinto.
Linda catarse, lindo expurgo do que pode ter sido para nós seus leitores, mais uma de suas expiações... Vou exercer meu egoísmo e declarar que, sem lugar para pena dos seus dilaceramentos... Quero continuar lendo estas lindas avalanches, que nos inundam onde estamos mais secos. Meu consolo é que sua juventude e vitalidade te fazem sobreviver a este sacerdócio poético que exige que sua alma seja oferecida desprotegida de sua carne. E se alma e carne não existem, você nos ilude com maestria.
ResponderExcluirDeusimar