terça-feira, 24 de abril de 2012

Tardia Oblação



Eis que uiva, dilacerado, o meu amor
Laboriosa ladainha em tom de pajelança
A mourejar o coração que jamais descansa
Que vassala em nome de um bel senhor

Pobre de mim, apaixonado
Pois a paixão fez-se rica, soberana
Mesmo que, porém, tão linda, fez-se insana
No dia em que me fiz enamorado

Pobre da rima, enamorada
Pois cada verso fez-se uno, solitário
Como em suma alegria, porém ao contrário
Contrariando cada estrofe apaixonada

Eis que silencio, condenado, o meu despudor
Jocosa arrelia, feito os gemidos de uma criança
Pois hoje só se ouve os ruídos da matança
Que escarnece e assassina o último dono do meu amor.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Vala


Vislumbro na noite descortinada
As sombras dos meus sorrisos desconseguidos
As cores indolores das lágrimas desbaratadas
Descolorindo o verde de teus olhos desapaixonados
Cobrindo valas que nunca foram descobertas
Descobrindo amores onde nunca houve coração
Desbaratando versos onde nunca houve música
E dizendo “eu te amo” onde nunca houve poesia

terça-feira, 3 de abril de 2012

Pálpebras que Dormem


Foi tão difícil acreditar que era verdade. E, afinal, não era. Cada um dos sorrisos que esbocei agora se perpetua nas recrudescências da memória humana, somente como uma lembrança baça, triste e insistente. É difícil admitir o quão fraco é o coração, e o quão facilmente ele se esconde na máscara da força. O que poucos sabem, entrementes, é que máscaras não caem nunca, no entanto são quebradiças, e seus cacos são pontiagudos.
Engessado, trincado, porém inteiro, o caviloso coração que repulsa e impulsa meu sangue vermelho não deixou, nem mesmo por um instante, de exercer sua laboriosa função: manter-me vivo, quente e apaixonado. De cada uma de suas câmaras constritivas ouvia-se um silvo agudo, audível somente aos ouvidos mais apurados, que gritava como que anunciando, “Há amor aqui!”. Sua escuta, por sua vez, fez-se surda e impiedosa, mas era tua mudez que ostentava a crueldade maior.
Verso por verso, o seu silêncio sussurrou um poema de adeus ao meu ouvido, melancólico, impassível e declamativo. Mas eu não chorei, não me permiti, e guardei minhas lágrimas pra depois, para banhar heróis de uma odisseia que seja verdadeira. A verdade, por sua vez, inexiste. Cada uma dessas palavras de desconsolo está firmada em suposições burras e infantis, provenientes de um garoto burro e infantil, acometido por um sentimento burro e infantil.
Ah, o amor. Quando de ti já fez morada em meu peito? E quanto de ti ouviu tal ordem de despejo? E quanto de mim ainda é bem vindo em sua mesa? Perguntas, capciosas perguntas. Como se respostas fossem capazes de proporcionar tal alento, ao menos uma trégua. Tal poder, e você sabe, pertence somente à sua voz, em cada sílaba arrastada, em cada vez que sua boca macia acaricia o som do meu nome.  
Maldito seja o nome, marcado a fogo e ferida, no avesso dos meus olhos. Benditas sejam as mãos, encrustadas em calo e calor, transfixando minha pele branca. Pois indizíveis são os olhos, grumados em esperança e malícia, que vigilam com a displicência do cegos, mas que enxergam com as sutilezas do espírito. Pois mais triste que o fulgor do mortos, somente imaginar a traição dos seus olhos pestaneados. Globos de vidro, verdes de veneno. Cílios espigados, dourados de nobreza. Pestanas de cansaço, plácidas e desjuvenecidas. Lindos, fortes e distantes. Insípidas . Inóspitas. Incólumes. Pálpebras que dormem.