sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Confabulações do Silêncio


Quanto tempo se passou para que eu fosse capaz de rascunhar as palavras que estes olhos agora perscrutam? Minutos. Meses. Milênios. Séculos que começavam numa página e terminavam na outra. As páginas, porém, eram vazias, mas o amarelado do papel denunciava que havia história ali. E como havia.
Havia princesas e terríveis dragões, castelos medievais e vilões funestos, bruxas narigudas e maldições milenares, madrastas malvadas e fadas boazinhas, gnomos e cavalheiros corajosos. Havia também alguns outros seres cujos nomes ficaram esquecidos nas confabulações do silêncio. Silencioso era o amor que regia estas parábolas da vida real, segredando os desejos destes meus olhos sonhadores. E por mais que os sonhos fossem bonitos, eles eram, afinal, sonhos. Pois as páginas envelhecidas continuavam em branco, multicoloridamente em branco. E no alto da página se viam os calígrafos rebuscados desenhados pelas mãos do vazio, grafados na transparência vívida de um tinteiro lacrimal, límpida e fosforescente.
Era uma vez um reino muito distante, encontrava-se ou desencontrava-se em algum lugar entre o aqui e o acolá, onde as flores cantavam e os homens dançavam, onde não existiam tristeza ou sofrimento, onde a morte era uma lenda e não um destino, onde só se enamoravam menino com menino. Na realidade utópica deste lindo reino existia uma solitária lágrima que caia. E que caía. Que caía. E caía. E Plim! Vivera feliz para sempre. É que as lágrimas também carregam histórias, sabem, mas para ouvi-las é necessário saboreá-las. Ou simplesmente deixa-las cair.
As minhas lágrimas, no entanto, caem por sobre o papel sem proclamar ao menos um único verso. Fazem-se cruas e mortas, desbotando a invisibilidade das poesias criptografadas em minha própria pele. Mas eu sei, inescrupulosamente sei, que quando se abrem os epitélios toda essa brancura macia que me veste grita em sonetos de ardor. E as lágrimas, por sua vez, são esquecidas e transcritas em caligrafias seminais, que ribombam e serpenteiam nesta minha psicografia tão carnal.
Mas e quando o coração se acalma e a respiração apascenta, olho para as páginas que me retratam e encontro uma inexistência tão sólida quanto o vazio que antes me transcrevia. Em branco. Inertes. Amareladas. Como se nunca houvessem rompido, como se nunca fossem violadas. Fui então tomado pelo desejo de virar a página, mas quando me percebi já estava na verdade lendo outro livro. Tão bestial quanto a Bíblia. Tão celestial quanto você. E, como eu, tão humano. 

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