domingo, 20 de novembro de 2011

D’aguardente


Desagüei. Sem pestanas, sem pestanejar, deixei que as pálpebras caíssem, que bulissem, e que tomassem um belo banho de mar. Afogaram-se numa gota d’água desse mar infinito, num infinito que não receia gotejar, num gotejo marejado pelos mares que nunca mergulhei. D’água vida, que escorre intumescida, que escapa esquecida por entre os dedos de minhas pequeninas mãos; aloja-se sorrateira, ternura fartada faceira, embicando-lhe as amolgaduras de um peito condenado.
Desaguado, sorrindo com o olhar encharcado, desbarato-me pela certeza da ineptidão. Rasgo-me, inepto pela incerteza desbaratada. Sedo-lhe, a certeza do meu aguado sorrir. Dos teus olhos profundos emergem verdades que esbofeteiam a profundeza da terra que te aguarda, que sepultam a flor e a fera indomada; que beija, sem pena, e aleija a bonança do coração. Calado, então, deságuo-te. Banho-te enquanto há tempo de chorar o tempo que já te golpeia, pois temo pela última ceia, pelo último trago visceral. Morro-te, clamo-te, pelo destino tão arteiro, pelo quebranto derradeiro.
Com que direito, ó Mar, afoga-nos nessa tristeza tão sorridente? Cega-me nesse fogo de lágrima: aguardente! Faz-me chorar, tão carente, um oceano jamais navegado! Do desespero, aquieto somente o coração que galopa sentado, que se abre ardente e sedente ao teu corpo arqueado, e que geme arquejado e imolado proclamando o amor.
Tristeza, inepciosa tristeza, sinto-te em meu peito perseverante. Sinto-te assim como o amor proclamado que nunca mais amaldiçoará teu coração. Proclamada sejas tu, bonança falecida, que me ensinastes a dor de viver entorpecida nesse premedito de terror. Deste amor aterrorizado pela verdade que espera, espero uma coisa somente: o começo do fim.
Até lá, ao findado perpétuo que hei de urrar, urrarei as alegrias que velarão tua partida, que abalarão e embalarão essa tua alma tão perdida, que coroarão ao coroa deste tão nobre coração. Até lá, à despedida impedida pelos olhos salgados do mar, marejarei as areias que sovarão estes teus pés descalços. Regar-te-ei, pois desaguarei até o último de teus abraços. E Afluirei, meu meninão, o róseo de teus lábios, os beijos não tão nímios, os gemidos tão eternos quanto outrora foi a vida tua. Amarei enquanto há tempo de amar o tempo que não se apieda, amarei e serei só teu até o instante da queda, até que do chão eu comece minar a saudade que decairá também um dia. Amamentar-te-ei e regurgitar-te-ei, pois serei, na eternidade, a água salobra que saciará esta sua sede de quem nunca se afoga. 

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