terça-feira, 24 de maio de 2011

Só você sabia brincar.



Essa noite me masturbei pensando em você. Não é um dizer muito romântico, nem elegante, admito. Mas foi bom, eu acho. Afinal, eis aqui as minhas mãos. Elas. Sim. Ainda as tenho. Ao menos isso, não é mesmo? Sim. Minhas mãos.
Não há necessidade de detalhes. Você não precisa deles e nem os aprecia. Tem quem queira, admito. Mas esse conformismo não me basta. Afinal, acho que sou bonito, por assim dizer. Mamãe também acha.
Agora eu vou contar de quando me levantei.
Primeiro eu me levantei. E foi só.
Digo, meu corpo se levantou. Sim. Meu corpo.
Não, eu não vou ter um acesso de inspiração romancista e dizer que minha alma ficou lá deitada. Nem meu coração. Nem meus sonhos. Nem minha vida. Nada disso. Isso não.
Pois eu não tenho alma – e agora sim começa o dramelô – Nada de alma, não senhor. Nada de coração. Nada de sonhos, pesadelos também não. Um pouco de vida sim, convenhamos. Mas nada de muito especial. Nada de bonito, grandioso. Nada de luz, trevas muito menos. Nada de nada. Nada do menininho que já fui um dia.
Nada além daquilo que você pôde me dar.
Ademais, eu não estava triste, acredite. Estava até bem humorado: cantei no banheiro, sorri pro espelho. Era engraçado admirar aquela vastidão enegrecida que surgia dos meus olhos, bem lá no meio, lá no fundinho deles. Ainda tinha brilho neles, ah se tinha, tinha sim. Brilho. Cor. Lágrima. Tinha alegria neles. Tinha umas poucas tristezas também. Medos. Culpas. Méritos. Além das remelas de uma noite muito bem dormida.
 Nada como dormir sustentando os suspiros de uma fornicação interna e solitária! Ah sim!
Voltei pro quarto. Chutei dolorosamente o pé da cama, como de costume. Abri a janela. E imitando a Julieta que nunca quis ser, esperei o Romeu que nunca esperaria, me recostando no parapeito. O céu estava azul-céu. O asfalto estava cinza-asfalto. A terra estava vermelho-terra. E as pessoas estavam da cor de gente mesmo. Já eu estava branco como o mármore que nunca forrou o meu chão e o meu sangue estava azul como a nobreza que eu nunca tive.
Era você me assombrando outra vez! Eu ouvia sua voz em meu ouvido como se você estive ali deitado às minhas costas. Senti seu cheiro como se você estivesse serpeando dentro de mim outra vez. Senti o seu toque mais uma vez fingindo que minha pele era seda branca. E sua imagem em minha mente era tão sólida quanto o pênis que afaguei esta noite. O meu pênis, é claro.
Você em minhas lembranças! Você na minha mente de criança que insistentemente acredita no grande amor que arrebata os corações! Você, que nesta manhã tão linda me carregou pra cama, me cobriu com carinho, me beijou com sinceridade... Não importa, mesmo como miragem era você ali. A miragem mais linda. O devaneio mais perfeito. O fantasma mais brilhante.
Ali, naquela cama tão macia, naquele sonho tão singelo, você me abandonou outra vez. Lá eu fiquei como você queria. A porcelana fria e estática da boneca que só você sabia brincar. Quietinho, fiquei. Bonitinho, deitadinho. Esperando o seu regresso da guerra dos homens adultos. Sempre esperando, pacientemente encarando o meu esperma no colchão.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Antífona do Amanhecer


O sol que afugenta minha madrugada não se repetiu esta manhã. Por de trás dos montes eu o via me espiando cheio de temores. Teu fogo era pálido e o teu calor não era quente. Entre as montanhas e nós havia um véu de arrependimento; Uma névoa seca que impregnou minha roupa e me fez ansiar uma aurora que nunca veio; Uma barreira imaginaria se ergueu tão concreta que me fez pensar que a beira do mundo fosse ali.
Mas a beira era eu.
Ainda sem brilho, o céu se encheu de nuvens e o dia se iluminou de uma luz que não vinha das estrelas. Naquele instante eu via nove planetas que plainavam ao meu redor, uma cortina de constelações que me vestia, um cinturão de astros dourados que envolviam meus dedos. Fiz-me Deusa. Fiz-me força.
Porém, o grão de mostarda que brotava em meu peito não fez mover as montanhas. Pedra sobre pedra, a solidão era iminente. Mesmo que ao meu redor uma multidão clamasse meu nome eu insistia em ouvir o som do silêncio. O meu toque quebrantava e minha palavra era lei, ainda assim, somente o seu beijo moveria os meus lábios; somente os teus sonhos me fariam realidade; só a tua voz abriria meus ouvidos.
Mas o sol nunca veio. Cego, surdo e mudo, continuo onde estou. Cuidando dos homens, movendo os planetas, tecendo dia após dia aquele véu ordinário. Sempre vivo. Sem a coragem e nem a covardia de me matar. Sem a luz que me aqueceu um dia. Sem a voz que já cantou pra mim. Sempre aqui. Esperando. Vivendo. Na esperança de que o mundo amanheça outra vez.