De todas as maldições
que o homem é capaz de rogar, nenhuma tem maior poder que um “obrigado” dito a
contragosto. Hoje, porém, no meu mundo onde maldições e bênçãos não existem,
desvencilho-me de minhas vontades e venho agradecer cada vintém deste amor
hipotecado – pois é amargo o sabor da garantia. São tantas as provas de amor
que às vezes, confesso, sinto falta da dúvida, para afirmar e reafirmar que somente
as perguntas sem repostas é que cabem a mim. As perguntas sem repostas, o
futuro sem destino e as palavras desprovidas de verdade.
Ainda assim, te peço,
acredite nas mentiras sinceras que ainda tenho a lhe contar. Pois se a
realidade é uma questão de ponto de vista, me diga, onde encontrarei a minha se
meus olhos estão sempre voltados para a escuridão? Desta vez, vestido de treva,
venho despido de vaidades para o nosso solene acerto de contas, uma cerimônia
onde os nós na garganta não foram causados pelas gravatas apertadas demais. Palavra
por palavra, engasgadas de um jeito que você jamais ouviu, proclamei a saudosa
despedida que não tardaria a acontecer, sempre mais cedo do que eu gostaria,
sempre mais tarde do que eu deveria. Deveres por deveres, diante todos os que
levianamente não cumpri, pela primeira e última e única vez, eis-me aqui lhe
dedicando os meus versos satânicos e minha poesia de prazer exultante.
Amo-te, tortuosamente,
amo-te! De um jeito torto que só a morte há de endireitar. Pois ainda que a
chama da esperança brilhe verde como a faceta fajuta de teus olhos, é negra a
bandeira da ingratidão, e com ela eu me rebuçarei no sepulcro. Dentre mortalhas
de arrependimentos e lençóis de promiscuidade fui tecendo a colcha de retalhos
da cama sobre a qual nunca mais dormiremos juntos, muitíssimo parecida com a
que seus familiares ofereceram a mim. Muitos conhecem o anjo de rapina que eu
sou em cima de uma cama, não é mesmo? Mas só você sabe dos demônios que me
atormentam quando recosto a cabeça sobre o travesseiro.
Mais triste que te ver
partir, foi permiti-lo. E por mais que eu tente me envaidecer com mais um
troféu para a minha coleção de tristezas, não pude fazê-lo. Em respeito ao
orgulho que tanto desprezas, amor, resolvi resguardá-lo e tentar retribuir
todas as suas lágrimas que foram inutilmente derramadas por mim. Ah, que linda
inundação seria! Mas os meus olhos, como é de costume, secaram com a mesma
rapidez de uma chuva de verão sobre o asfalto, e eu pude ver evaporar as
esperanças de construir um futuro bonito ao seu lado, onde os beijos seriam
fartos e os gemidos, não tanto.
Doravante, não sei se
por amor ou se por excesso de decência, percebi que era um futuro demasiado
egoísta para que eu pudesse condenar você. Tão único, tão jovem, tão cheio de
alegrias escondidas no próximo passo, na próxima esquina, depois da próxima
dose. Obrigo-me a acreditar, num desespero insano de não me sentir tão louco,
que de gole em gole você me esquecerá, e que um dia eu serei como o gelo
largado no fundo de um copo sujo: uma lembrança gelada de algo bom, mas que já
passou. Sei que não será tão simples, acredito que não será tão rápido, mas
venho em nome de tudo que não é sagrado lhe implorar que de uma vez por todas
engula este amor. Ânsias de vômito virão, é fato, mas acredite, antes a ânsia
que a overdose.
Chores, amor,
deságües, pois lágrimas azedadas não cheiram muito bem. E o odor de fracasso
que acompanha aqueles de olhos interditados não combina com você, sempre tão
cheiroso, como um botão colhido no orvalho da manhã. Entre flores e dores, peço
que veja nestas palavras os ramalhetes que nunca lhe presenteei, e que sejam
vingadas todas as feridas que não te deixaram desabrochar. Pétalas caídas não
fazem ruído, mas, por favor, não deixe o teu silêncio despetalar a flor de
amizade que ainda existe entre nós. Sei que esta roseira ainda demorará a
vingar, mas um dia ela fará sombra para que muitas histórias como a nossa sejam
contadas. Sim, sob a roseira da amizade, sob os espinhos do esquecimento, um
dia sorriremos ao lembrar deste triste conto de amor. E nos obrigaremos a
lembrar que o amor – Ah, o amor – o amor não é tudo.