Vou sentir saudades – por repetidas vezes rascunhei
esta verdade, até que hoje, por fim, a poesia que emana dos meus dedos canhotos
compreendesse a saudade que deveras eu já havia sentido. Na finitude do que é interminável,
permiti que a eternidade dos dias sem ti se arrastasse mórbida e vagarosamente,
como se adiar o sofrimento o tornasse menos real. Tolice, tudo o que se adia
não se despede: perpetua-se. Perpetuando o inevitável, na modorra do que
evitei, resguardei minhas vaidosas palavras de queixume para o momento em que a
inglória do meu amor fosse notícia de capa, transmitindo a singela mensagem que
bem caberia numa nota de rodapé: “Vou sentir saudades.”.
Vou sentir,
repeti com infantil teimosia, arremessando ao vento a bravata de um futuro que
poderia estar ali, no meu próximo passo. Pouca ou nenhuma importância dediquei
à coleção de tropeços que se arrastava em meu encalço, pois ainda que preso aos
demônios do passado, sempre dei ao futuro um benigno voto de confiança,
confiança esta que, depois de ti, dificilmente dedicarei a mais alguém. O
futuro traiçoeiro, no entanto, traiu-me, cruel e implacável, soterrando minhas
poesias de amor perfeito nos metafóricos escombros da desesperança. E a chorosa
criança que um dia viveu dentro de mim, inócua e adormecida, recusou-se a
derramar uma lágrima sequer, mergulhando-me na aridez do abandono, na desertidão
do descaso, na sequidão do amor não correspondido.
Ah, como dói ser criança num mundo onde ser adulto
é ser forte, e onde a força não é cobrada como uma virtude, mas como uma
lastimosa obrigação. São tantos os fardos que a única farda que me resta é a do
luto, não pelo que morreu, mas pelo amor que mal chegou a ser vivido. E a
saudade, inescrupulosa saudade, entoa hoje, silêncio após silêncio, as canções
que foram tema do nosso repentino e afoito romance. Calado, por fim,
martirizo-me na lembrança da voz que se entusiasmava mesmo ao falar de sonhos
não realizados, de planos frustrados e apostas mal sucedidas. E agora, quem
escuta seu coração insatisfeito? Quem ri das suas críticas? Quem segura o incessante
tremor das tuas mãos?
Madrugada após madrugada você me visita em sonhos
tão impalpáveis quanto a nossa curta história, pois mesmo que escrita reta por
linhas tortas, talvez tenha encontrado seu dramático desfecho na retidão moral
que tanto desprezo. Tortuosos foram os caminhos que me levaram, entre soluços
reprimidos e pisadas em falso, de volta à triste realidade onde você não existe
nem mesmo pra cantarolar lembranças, tampouco para me visitar em sonhos. Pois
mesmo que seja maravilhoso imaginar um amanhã sem amores, é absolutamente monstruoso
saber que você não fará parte dele.
Quantos amanhãs terei de amaldiçoar até que eu me
livre da coleção de dolorosos ontens que carrego no peito? Temo pelo dia em os
mistérios do que se foi o do que virá não me surtirão o menor interesse, e eu
me torne apenas mais um poeta adormecido no limbo das dores que não me permiti
sofrer. São tantas as interdições que encontrar portas abertas tem se tornado
uma tarefa árdua demais pra mim, pois ainda que eu as encontre destrancadas, não
passo de uma criança e não alcanço as fechaduras. E mesmo fedendo a fraldas,
não sou mais tão inocente para bater e esperar que elas se abram. Ser criança
não é só um fardo, admito, é um escudo também.
E assim, pé ante pé, tropeço ante tropeço, engatilhei
rumo a uma maturidade nada bem vinda, que chegou sem convite ou aviso e foi se
alojando feito um câncer no meu coração. Bem que havia rumores de que a idade
fosse uma doença silenciosa, no entanto eu não imaginava que o próprio silêncio
fosse o mais doloroso dos sintomas. São tantas as tragédias que nos deixam sem
palavras que quando se percebe não há mais por que ou pelo quê proclama-las. Hoje
entendo que, quando me olhava e não dizia nada, não eram palavras que faltavam,
mas sim os silêncios que sobravam. As dores tatuadas em tua história são tão
nítidas quanto as histórias tatuadas em sua pele, e o que me resta é me
inconformar por não ter tido a chance de consolá-las. Desconsolo por desconsolo,
eis o momento de chorar os meus, pois preciso que saiba que nem mesmo o mais estrondoso
dos silêncios será capaz de abafar o meu último grito de amor: “Vou sentir
saudades.”.